terça-feira, janeiro 04, 2005

Retirado do blog (grão de areia-ATTAC):


Demagogia "de estudo"


Manuel Monteiro, foi, há uns anos o primeiro líder do CDS a participar nas comemorações do 1º de Maio. Paulo Portas foi agora mais longe.
A acusação de Paulo Portas - de que, por detrás da queda do Governo, estaria uma conspiração do grande capital financeiro « destinada a conseguir que permaneça um sistema fiscal injusto, pois pela primeira vez se ia descer o imposto sobre as famílias e pela primeira vez iam ser exigidas garantias razoáveis do pagamento de IRC do sector financeiro» - é uma espécie de acusação-estudo sobre a retórica fascista, que, historicamente, no seu apelo às camadas mais desfavorecidas e espoliadas pelo capitalismo, sempre sobe, adaptar os símbolos e nomes revolucionários e sociais, bem como manusear o discurso anti-sistema, quando isso lhe servia para granjear apoios entre a classe operária e os trabalhadores.

A verdade é que baixar os impostos directos sobre o rendimento e subir/criar impostos indirectos sobre o consumo (IVA, taxas moderadoras, preços das portagens, preço dos transportes, imposto sobre combustíveis, propinas.), ao mesmo tempo que se corta nas funções sociais e redistributivas do Estado, não é justiça fiscal, é injustiça : O Imposto indirecto é "cego" porque não "olha" ao nível de rendimento dos indivíduos, e ao mesmo tempo, os serviços públicos, transferências e subsídios, têm um impacto muito mais significativo junto às famílias de menor rendimento .
Por outro lado, o slogan de que este Governo seria o Governo do combate à fraude fiscal, foi um slogan que teve alguma repercussão junto da comunicação social, mas a que não se pode dar crédito . É isso que dizem os principais especialistas e estudiosos deste problema. A lei do sigilo bancário continua das mais recuadas da Europa (e esta questão é absolutamente central no combate à fraude e à evasão fiscal), o offshore da Madeira continua em acção, a Polícia Judiciária e a Direcção Geral das Contribuições e Impostos permanecem sem os meios técnicos e humanos pretendidos. Em vez do que já há anos é reivindicado, o Governo só ofereceu um conjunto de slogans, como a suposta criação de "uma espécie de polícia fiscal".
É preciso ainda dizer que é totalmente exagerado afirmar que "os banqueiros estão contra este OE" : A verdade é que alguns elementos do patronato Industrial e Comercial fizeram algumas críticas ao OE, sobretudo já na derradeira semana antes da anunciação da dissolução da Assembleia, mas nunca nenhum patrão da banca emitiu uma opinião desfavorável em relação ao Governo ou ao OE. Pelo contrário, Ricardo Salgado, mostrou-se publicamente favorável à aprovação do OGE.
Mesmo as medidas anunciadas, sobre o fim dos benefícios fiscais nos PPR/E's, que têm (ou teriam) um forte impacto imediato nas vendas de 2005, não causaram (estranhamente) alarido significativo nos meios financeiros. Na banca, sabe-se bem que não é com benefícios no IRS que se vai para a frente com o negócio das reformas, é com o plafonamento, e com uma estratégia política de tendencial substituição do sistema contributivo pelo sistema de capitalização.
Fortíssima contestação, sim, houve, por exemplo, quando o governo Guterres decidiu tributar as mais-valias da bolsa, ou quando aprovaram (com o acordo do PCP da altura) a lei da Segurança Social. Chegaram mesmo a aparecer grandes títulos de primeira página nos jornais a anunciar supostas fugas de capitais para o estrangeiro, lembram-se?
Já desta vez, a "contestação" ao Governo e ao OE por parte de "empresários e economistas", passou sobretudo por um certo aproveitamento do desastroso discurso do Sampaio de há 4 meses atrás (de que não iria permitir que o governo se desviasse do caminho da contenção orçamental), para puxar ainda mais "a brasa à sardinha" da política económica neoclássica. Estou mesmo convencido que nunca haveria grande parte desta "contestação" se a situação no PS fosse outra e se Sócrates não tivesse dado as garantias que deu no debate do OE ao centrar a sua oposição ao projecto na defesa veemente de uma maior contenção orçamental.
Dito isto, o que dizer das demagógicas acusações de Paulo Portas, senão que tresandam a um perigosíssimo déjà vu ?

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