sábado, dezembro 11, 2004

Racismo e xenofobia


A ideia generalizada, de que somos um povo tolerante e de brandos costumes, funciona muitas vezes mal na realidade. Não se trata de sermos abertamente xenófobos e racistas, mas a verdade é que é latente a existência, em sectores significativos da nossa sociedade, de sentimentos negativos relativamente a pessoas com cor de pele e origem étnica diferente da nossa e, de um modo geral, a estrangeiros que têm vindo a escolher Portugal para trabalhar e residir.
Exemplo deste facto é um documento em circulação na net que me chegou ao conhecimento, imputando crimes de furto e roubo a cidadãos portugueses e, não só, de “indivíduos do leste”, narrando factos que a serem verdadeiros teriam uma extrema gravidade, mas relativamente aos quais, nem sequer é apontada uma data concreta – “no outro dia”, “a semana passada” – e são de origem difícil de identificar.
Sabendo-se que, diariamente, a comunicação social, em especial a televisão, explora até ao ínfimo pormenor toda e qualquer situação de violência seja em que parte do mundo for, fica assim criado um espaço fértil para o desenvolvimento de sentimentos xenófobos e racistas, aproveitados e fomentados por forças fascistas ou fascizantes, no sentido de criarem, artificialmente, conflitos e antagonismos de perigosas consequências sociais.Esta reflexão vem a propósito de uma conversa que, acidentalmente, presenciei no café, onde era narrado o caso de um assalto perpetrado a um cidadão da nossa cidade por indivíduos “russos”. Tenho pena de não me lembrar das palavras textuais com que os protagonistas da conversa comentavam este caso, mas apercebi-me do sentimento de rejeição que todos nutriam por “esta gente do leste”. Um deles afirmava que já não se podia andar na rua com sossego porque encontrava “aquela gente” por todo o lado, sempre à espera que lhe fizessem mal. Outro, que parecia ser dono de uma pequena indústria, comentava o caso de dois indivíduos de leste que lhe foram pedir trabalho e que ele imediatamente rejeitou, dizendo-lhes que não gostava da sua “raça”. Na sua opinião “os pretos” acobardam-se mais…
Finalmente, a opinião de uma senhora que também fazia parte da conversa, referia-se a “elas” que vêm de longe desinquietar os maridos das portuguesas. Pelos vistos os maridos das portuguesas são muito ingénuos e não sabem defender-se…Nos muitos anos da minha actividade profissional como professor, nunca notei nos alunos, das mais variadas origens, qualquer diferença significativa em termos de comportamento e atitudes que me causassem o mais pequeno impacto negativo.
Antes pelo contrário, os alunos do leste, parecem, na sua maioria, mais empenhados nas aprendizagens e com melhor comportamento que os portugueses.Por outro lado, o facto de Portugal ser um país de emigrantes, com extensas comunidades espalhadas por todo o mundo devia tornar improváveis a emergência de comportamentos xenófobos e racistas na nossa sociedade.
Afinal, entre os nossos compatriotas que se encontram no estrangeiro deve haver alguns que têm comportamentos reprováveis, o que não significa que todos sejam tomados por essa condição negativa.As manifestações de alarmismo contra toda uma comunidade seja ela cigana, africana, brasileira, chinesa, do leste, etc., não podem ser deixadas passar em claro, correndo o risco de se tornarem um monstro incontrolável. A sua desmistificação requer firmeza e inteligência e, sobretudo, um conjunto de meios que não está ao alcance das organizações mais empenhadas nesta problemática. São as entidades oficiais que a devem tomar em mãos.

Luís Moleiro

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