sexta-feira, março 18, 2005

A IV Convenção do Bloco de Esquerda terá lugar no momento em que Portugal atravessa um novo ciclo político, resultante da histórica derrota das direitas nas últimas eleições legislativas.


Por João Teixeira Lopes
Artigo publicado originalmente no Comércio do Porto



Sabemos que existe uma enorme expectativa de mudança.
Aliás, se o PS obteve uma maioria absoluta, pode dizer-se que a esquerda logrou alcançar uma maioria absolutíssima. O Bloco de Esquerda interpreta estes resultados como um profundo desejo de ruptura face ao continuismo que tem caracterizado a governação em Portugal, nos últimos vinte anos.


O Bloco de Esquerda existe, na verdade, para romper com esses podres poderes.Por isso, o lema da IV Convenção, a realizar em Maio, opta por sublinhar «o Bloco como alternativa socialista para o país». O que significa, desde logo, um partido atento às novas dinâmicas internacionais e às formas mutantes do capitalismo global, cada vez mais assentes em pilares de ultraliberalismo arrogante, conservador, moralista e belicista (com o seu apogeu na administração americana), fazendo da lógica da guerra infinita a alavanca maior de um império com pés de barro, porque profundamente endividado e dependente de recursos energéticos.


Ao Bloco, com efeito, cabe-lhe o desafio de se articular com as esquerdas anti-capitalistas, onde quer que elas se encontrem, embora com particular sentido no espaço europeu. O trabalho em rede dos partidos de esquerda alternativa, dos velhos e novos movimentos sociais é uma condição, não só para a emergência de imaginativas e originais modalidades de acção política, como de intercâmbio de experiências emancipadoras, em que se cruzam objectivos colectivos com realização pessoal e subjectiva.


Na Europa, em particular, urge reunir energias contra o Tratado Constitucional Europeu (expressão no «velho continente» do ultraliberalismo global e da vontade de extorquir aos povos a possibilidade de seguir caminhos outros que não os da precariedade laboral e da obsessão orçamental), mas também contra as directivas que propõem monstruosas semanas de trabalho de 65 horas e que apresentam a flexibilidade da desregulação da relação laboral como o único caminho da competitividade.


Por todas estas razões, o Bloco deve saber adaptar-se ao novo ciclo político. Sabemos que, em governações do Partido Socialista, existe uma tendência para um certo refluxo e acomodação dos activismos e das lutas, não só porque se diluiu a crispação do anterior período de governação das direitas, mas também porque aqui ou ali se ensaiam, quase a título simbólico, uma ou outra medida emblemática de redistribuição social. Mas o Bloco não se contenta com migalhas, nem, tão-pouco, com a possível humanização dos rostos e contornos da exploração.


O Governo que agora tomou posse é um exemplo de como as áreas cruciais continuam na obediência da ortodoxia financeira. É trabalho do Bloco fazer as perguntas difíceis e apresentar no Parlamento as propostas que fazem a diferença (legalização do aborto, rendimento mínimo, revogação do código do trabalho, defesa dos serviços públicos e da segurança social, qualificação dos recursos humanos, combate ao desemprego, incentivos à inovação, combate às múltiplas formas de discriminação). Mas o Bloco de Esquerda tem de existir, em força crescente, fora do Parlamento. Enquanto esquerda socialista moderna importa repensar as suas características de partido-movimento, mais implantado, socialmente mais representativo, atento a tudo o que se passa no espaço público.



Os resultados das últimas eleições alteraram o perfil do próprio partido: é agora claramente nacional, jovem mas com maior penetração em grupos mais idosos, popular e não meramente acantonado às classes médias urbanas. As formas organizativas que o Bloco escolher terão de reflectir esta nova possibilidade de irmos ao encontro de um leque muito mais diversificado de sujeitos sociais. O que obriga, desde logo, à rejeição de sectarismos, paternalismos e rotinas e, simultaneamente, ao estímulo para que muitos milhares de homens e mulheres de todo o país se sintam estimulados à discussão e à participação.

O novo ciclo é também um reinício (com memória!). Algo a que o Bloco está, desde o início, habituado: fazer de cada momento um instante inaugural.



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