SOBRE O APITO DOURADO!!
Deus existe!
MIGUEL PORTAS
Diário de Notícias, 22/4/04
OK, até prova em contrário eles são inocentes.
OK. Mas a verdade é que há dias em que um tipo acorda e sente que vai valer a pena. Anteontem, foi um desses dias.Vinte buscas domiciliárias e 16 detidos e entre eles alguns grandes pássaros! Não sabemos ainda no que irá dar, mas teve aspecto de coisa bem feita. Se assim se vier a verificar, o «Apito Dourado» é a chegada do 25 de Abril à redondinha. Com 30 anos de atraso, mas tarde sempre é melhor do que nunca.Esperança, pois então.Até porque o processo agarra as margens do «sistema» e não o seu coração.
A História está cheia de gente apanhada em falso pelos pormenores. Al Capone, por exemplo, não foi condenado por ser o chefe dos gangsters, mas porque a sua contabilidade fictícia tinha buraco. Que assim seja, se assim tem de ser.A avaliar pelos detidos e pelas buscas, o que está em causa é, simultaneamente, menos do que o «sistema» e mais do que o «sistema».Menos do que o «sistema», porque os árbitros em averiguações estão a ser chamados à conta de um clube secundário que se encontra fora do esquema principal. O que há em comum com o «sistema» é a suspeita de arranjo de resultados por via de suborno aos juízes do espectáculo.
Mas mais do que o «sistema», porque a coisa parece dirigir-se ao «sistema por detrás do sistema», ou seja, ao triângulo de morte em que vivem câmaras municipais, clubes da terra e construtores civis.
O futebol é hoje a grande parábola deste país.
Temos Euro 2004, estádios de última gama financiados pelos poderes públicos, grandes jogadores a peso de ouro e treinadores de primeira água. Eis a modernização superficial, aparente, daquilo que já foi um desporto e que hoje é a nossa principal indústria do espectáculo.Depois... por detrás das luzes, continua a funcionar uma economia pré-capitalista, onde a maioria das SAD são pura ficção, porque dependem dos financiamentos públicos em contado ou espécie, onde a lavagem de dinheiros sujos se processa com assinalável sucesso.As bases desta miséria, as suas placas giratórias são, de um lado, os municípios com os seus subsídios e terrenos para urbanização e, do outro, os construtores que investem o que só parcialmente declaram.
Eis então, no seu esplendor, o «progresso» das terras com clubes de futebol, que há muito deixaram de cumprir quaisquer obrigações sociais significativas na promoção do desporto.Gondomar, Marco de Canaveses, Felgueiras e Braga aí estão, como exemplos maiores do «sistema por detrás do sistema».
O presidente de câmara assenta o seu poder numa mentira que tudo legitima: um clube bem colocado põe o «concelho no mapa».Isto justifica os financiamentos públicos, as facilidades e, no limite, a compra de árbitros, que, aliás, «os outros também fazem e por isso...». O resto é igualmente justificado: o espectáculo sai cada vez mais caro e exige co-financiamento da iniciativa privada, a qual «deve ter as suas compensações».E entra o construtor, em prol da terra, claro.
Sobra o mais simples: o partido é tomado pelo presidente, a oposição também se compra e as direcções nacionais dos partidos do sistema dão cobertura para não perderem as eleições.Entenderam ou é preciso um desenho?
É por isso que esta investigação, se estiver bem preparada, é uma revolução.Com «R». Porque as revoluções, diferentemente das evoluções, se fazem contra o «sistema».
mportas@netcabo.pt
segunda-feira, janeiro 24, 2005
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