domingo, janeiro 30, 2005

A opinião de Nicolau Santos

E não se pode exterminá-los?

Os programas eleitorais do PSD e PS mostram uma tendência que se vai espalhando por toda a Europa e que tem por base o modelo americano: a redução dos direitos sociais dos cidadãos, quer seja no plano da Segurança Social, quer seja no domínio da Saúde.

E assim a proposta do aumento da idade de reforma como meio para manter por mais alguns anos o actual sistema de Segurança Social está a fazer caminho; assim como o aumento das horas de trabalho por semana se vai impondo na Europa também cá há-de chegar; a flexibilização dos horários de trabalho é outro dos pontos na agenda; e a redução de alguns aspectos no direito à greve dos trabalhadores acabará igualmente por ser discutido.

Digamos que o drama da Europa é este: para reganhar competitividade e bater-se de igual para igual com Estados Unidos, Japão e agora com os novos países emergentes, os chamados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), a ideia dominante é que se torna necessário desmantelar o Estado Providência, que foi a base do modelo social europeu desde os anos 50, com indiscutível sucesso até à segunda metade da década de 80.

O problema é que ninguém pode dar garantias que só por a Europa aproximar o seu modelo de vida do americano, obterá os mesmos resultados que os Estados Unidos - porque, apesar de tudo o que tem sido feito, os Estados Unidos são um todo coerente, que fala a mesma língua e obedece ao mesmo Governo, enquanto na EU existem 25 países, com línguas diferentes, Governos diferentes e interesses diferentes, apesar de utilizarem a mesma moeda e concordarem em várias políticas. Os resultados que a aplicação do modelo americano terão na coesão social europeia não estão provavelmente a ser equacionados com a seriedade e os riscos que decisões desse tipo implicam.

Vem isto a propósito do estudo que o Infarmed, por indicação do ministro da Saúde, Luís Filipe Pereira, encomendou à consultora britânica Europe Economics e no qual esta propõe três coisas, qualquer delas mais extraordinária: 1) que os utentes do Serviço Nacional de Saúde paguem a totalidade do preço dos medicamentos quando os vão comprar às farmácias, sendo depois reembolsados; que aos médicos privados que têm um acordo com o SNS seja estabelecido um tecto anual para os medicamentos comparticipados que prescrevam aos seus doentes; e que o valor a dar pelo Estado ao utente seja reduzido para o valor do genérico mais barato e não o mais caro, como actualmente acontece.

A consultora britânica dá a receita, mas não terá qualquer responsabilidade política na sua aplicação. Não sei se o modelo que apresentou teve em conta a realidade portuguesa ou se se baseou no que acontece em Inglaterra. Mas como qualquer pessoa de bom senso reconhecerá, há milhões de cidadãos portugueses, sobretudo em idade elevada e com pequenas reformas, que não terão qualquer capacidade para pagar à cabeça os seus medicamentos e depois esperar seis, nove ou doze meses para serem reembolsados. Morrem antes, de certeza. Mas é claro que, com este sistema, resolveremos provavelmente para sempre o problema do défice estrutural do Serviço Nacional de Saúde. Como se prova, é fácil: criam-se as condições para que morra o maior número possível de utentes do dito SNS. Espero que a Europe Economics tenha cobrado ao Estado português, isto é, aos contribuintes nacionais, um preço elevado por estas recomendações. Bem merece.



Público
24 Janeiro 2005

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