quarta-feira, dezembro 15, 2004

Texto extraido do site dos "renovadores".


A angústia do PCP
Por Carlos Brito
Expresso, 11 Dezembro 04



O QUE mais impressiona no recente congresso do PCP é a obsessão sectária da direcção que impede o partido de tomar consciência da dimensão das suas dificuldades e das mudanças de rumo indispensáveis para lhes fazer frente. Há três aspectos em que esta cegueira obsessiva me parece particularmente evidente.
O primeiro, relativo à chamada vida interna. Em vez do esforço, recomendado pelo declínio do partido e a situação do país, para reganhar militantes sancionados, afastados ou desmobilizados pelas orientações persecutórias dos últimos anos, o congresso agravou essas orientações persecutórias, a começar pela doutrina vazada na «resolução política», em que os sectores críticos são equiparados a inimigos do partido, passando pela discriminatória selecção de delegados e culminando com as manifestações de rancorosa hostilidade aos dois corajosos militantes que se atreveram a contrariar na tribuna do congresso a linha preconizada pela direcção.
Em segundo lugar, no plano da política de alianças. Em vez do contributo, exigido pela desbragada política da direita no poder, para abrir uma ousada perspectiva de alternativa de esquerda, a começar pelo anúncio da disponibilidade para um novo relacionamento e um novo diálogo entre as suas componentes, o congresso optou por malhar forte nas outras forças de esquerda, em especial no PS, e adoptou as posições mais isolacionistas, fechadas e sectárias dos últimos 30 anos, na ilusão esquerdista de que é assim que se ganham apoios e influência.
Em terceiro lugar, no plano ideológico. Em vez do incentivo à análise marxista e crítica das novas realidades do país e do mundo, nomeadamente a evolução do capitalismo e os fenómenos actuais no domínio do trabalho, em vez do impulso à reflexão autocrítica sobre as orientações e a prática do partido e do movimento comunista, o congresso optou por uma exaltação irracional do marxismo-leninismo, semelhante à dos grupúsculos «M-L» dos anos sessenta, consagradora das tendências estalinista e castradora de qualquer pensamento autónomo e criador.
Assim, não admira que o PCP tenha sido completamente surpreendido pela dissolução da Assembleia da República. A obsessão sectária já tinha «arrumado» Jorge Sampaio, desde pelo menos a festa do «Avante!», ao lado dos apoiantes do Governo de direita e como confessou candidamente, em entrevista, o actual secretário-geral, Jerónimo de Sousa, só esperava a queda do Governo por efeito das manifestações dos trabalhadores na rua.
E aqui começa a actual angústia eleitoral do PCP.
As proclamações oratórias ainda podem disfarçar a ausência de ideias e de propostas correctas e mobilizadoras, mas já não substituem os militantes dedicados, talentosos e prestigiados que foram afastados, se afastaram ou permanecem sob suspeição, mas que são indispensáveis como candidatos ou grandes animadores das campanhas eleitorais.
Por mais que se grite, as tiradas retóricas não conseguem encobrir os desaires eleitorais.
O drama presente da família comunista no nosso país reside nesta dupla situação: de um lado, um partido que definha mergulhado no sectarismo, no esquerdismo, na burocracia e perde quadros, influência e prestígio; do outro, milhares de comunistas que não querem outra opção partidária e que não se resignam à inacção, mas que foram afastados ou se afastaram por não se reconhecerem mais no partido que foi o seu, tal como é agora.
A Renovação Comunista já agendou para princípios de Janeiro de 2005 a passagem de movimento informal a Associação Política, outros críticos preferem permanecer como comunistas independentes. Todos sonham com a reunificação da família comunista numa casa comum onde, no respeito pelas diferenças de opinião, seja possível retomar com novas energias a luta pelo projecto comunista em Portugal.

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